Coletânea reúne óperas compostas por artistas amazônidas


Seis livros contam a história da ópera na Amazônia no período áureo da extração da borracha, além de reunir as partituras escritas pelos compositores

Quando se fala em ópera, pensa-se em países europeus que têm uma tradição nesse estilo musical, por exemplo, a Itália com seus três grandes tenores. Entretanto, o Brasil e, especificamente, a Amazônia também tiveram grandes nomes da música erudita, os quais compuseram óperas que contavam conflitos raciais, lutas por liberdade e romances que fizeram as platéias do Teatro Amazonas, no Amazonas, e do Teatro da Paz, no Pará, ficarem de pé.

Essas informações estão reunidas no trabalho “Ópera na Amazônia”, do pesquisador Márcio Páscoa, do Curso de Música da Universidade Estadual do Amazonas (UEA). O resultado da pesquisa está reunido em uma coletânea com seis livros, sendo dois com textos que contam um pouco da história do período áureo da exploração da borracha (1850 a 1910) e outros quatro com partituras das óperas compostas por músicos da Amazônia.  

Páscoa explicou que a pesquisa é o resultado de desdobramentos de estudos de mestrado e de doutorado, por meio do projeto intitulado “Pesquisa e Restauração do Patrimônio Musical do Brasil Colonial: lírica na Amazônia e seu âmbito de diálogo cultural, durante o século 18”, financiada pelo Programa Petrobras Cultural e Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet de incentivos a empresas e indivíduos que desejam financiar projetos culturais e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).  A coordenação técnica dos trabalhos é da professora da UEA, Luciane Páscoa.
 
Os dois primeiros livros relatam histórias sobre a atividade musical da época, os artistas, as temporadas, além do contexto em que aparecem os compositores fazendo ópera em Manaus e em Belém. Páscoa conta que, geralmente, as companhias teatrais faziam apresentações nas duas províncias, o que não era fácil devido a logística, que exigia o uso de vários barcos para transportar os atores, os equipamentos, etc. “As companhias apresentavam de 12 a 20 óperas em um intervalo de quatro meses”, salientou.

Durante as apresentações, os bondes da cidade de Manaus circulavam até 1h da manhã. Diversas pessoas da sociedade amazonense da época freqüentavam o Teatro Amazonas, por exemplo, funcionários do alto escalão, negociantes da borracha. Mas, por mais que seja surpreende, a pesquisa identificou que o preço do ingresso era acessível ao grande público, uma situação rara à época. “Ou seja, a ópera era uma diversão popular”, explica Márcio Páscoa.

Os outros quatro volumes abrigam as partituras, até então inéditas, das cinco óperas compostas por autores amazônidas, entre eles: José Cândido da Gama Malcher; Henrique E. Gurjal; Meneleu Campos; e Eupídeo Pereira.
 
Os autores

Compositor e pianista nascido em Belém (PA), José Cândido é o responsável pela ópera Bug Jargal e Jara. A primeira baseia-se no romance de Victor Hugo, autor do célebre “Os Miseráveis”. A obra é a primeira ópera brasileira do período republicano e ficou esquecida por mais de 100 anos, pois a última apresentação aconteceu em 1891, no Rio de Janeiro (RJ). É uma história de amor de um escravo pela filha do dono das terras. Devido à rebeldia de Bug, o mesmo seria executado, mas é salvo por Maria, que impede a execução.

“A obra é um manifesto pré-abolicionista e relata situações ocorridas no Haiti, quando escravos se rebelaram contra os colonos franceses”, destacou Páscoa.
O pesquisador explicou que Jara é uma ópera baseada na lenda amazônica “Iara”, onde uma bonita e sedutora mulher que vive nas águas encanta pessoas com sua voz doce. Ela arrasta a vítima para o fundo das águas.

Estudante do Instituto Santa Cecília, de Gênova, na Itália, Henrique Gurjão, deixou diversas obras, em grande parte, inéditas. Nascido no Pará, ele é responsável pela ópera Idalia, que consiste em um “romance medieval muito parecido com Bug Jargal devido aos conflitos de libertação nacional”, afirma Páscoa. 

Segundo o pesquisador, as óperas escritas na época da borracha não diferem muito na temática político-social, como é o caso da Gli Eroi. Composta por Meneleu Campos, a trama central são os conflitos políticos da independência italiana de 1848, bem como uma história de amor. Na época, a Itália estava sob o domínio dos austríacos e os italianos lutavam pela independência.

Maranhense que viveu em Manaus, Elpídeo Pereira estudou na França. Ele compôs a ópera Calabar, que conta a história de personagem brasileiro de conduta duvidosa por ter sido considerado traidor ao lutar junto aos holandeses contra a coroa portuguesa. Pereira também compôs o balé Les Pommes du Vosin, o qual foi montado no teatro parisiense Gaité Lyrique, com enorme sucesso, chegando a 76 representações consecutivas.

O projeto contou com um aporte financeiro da Fapeam no valor de R$ 274 mil. 

 
Luís Mansuêto – Agência Fapeam

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