Audiência discute aplicabilidade de pesquisas com células-tronco


A reunião foi presidida pela vereadora Lúcia Antony e reuniu representantes do CRM/AM, Ufam, UEA, CNBB, Fapeam, além de pesquisadores referência na área no Amazonas. O atual estágio das pesquisas no Estado foi um dos temas discutidos 

As pesquisas com células-tronco adultas realizadas no Estado do Amazonas por meio da parceria entre o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam), foram o tema de uma Audiência Pública, realizada na tarde de terça-feira (27), no Plenário da Câmara Municipal de Manaus.  A audiência, convocada pela Comissão de Saúde e presidida pela vereadora Lúcia Antony, reuniu representantes do Conselho Regional de Medicina (CRM/AM), da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Fapeam, além dos especialistas que trabalham nas pesquisas com células-tronco no Estado: a doutora Adriana Malheiros, da Fundação de Hematologia e Hemoterapia do Amazonas (Hemoam) e o doutor Jaime Arnez, do Hospital Francisca Mendes. 

A equipe de pesquisadores, sabatinada durante toda a tarde pelos vereadores, respondeu questões em torno do atual estágio das pesquisas no Estado e, principalmente, das questões éticas que cercam o tema. 

Há três anos, segundo Arnez, o Amazonas iniciou os esforços para realizar pesquisas com células-tronco humanas e, ao mesmo tempo, espera a aprovação de equipe e proposta de trabalho junto à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), vinculada ao Ministério da Saúde (MS). Trata-se de um projeto a ser desenvolvido com financiamento da Fapeam, do MS e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no âmbito do Programa Pesquisa para o SUS – Gestão Compartilhada (PPSUS), que ainda aguarda autorização do CONEP, para inicio das atividades.

A pesquisa desenvolvida no Estado é dirigida à terapia celular (tratamento que vai implantar células-tronco adultas sãs em células doentes), em 20 pacientes portadores de insuficiência cardíaca.

Os implantados serão atendidos no Hospital Francisca Mendes, que é referência em cardiologia. “Nos dias 1 e 2 de maio, realizamos os primeiros implantes e tivemos absoluto sucesso”, informou Arnez, acrescentando que todos os pacientes são rigorosamente acompanhados nas fases pré e pró-implantes de células, a fim de que os resultados sejam posteriormente comparados. “Nossa intenção é obter melhora das condições físicas, reduzindo o cansaço e a fadiga próprios da insuficiência cardíaca”, acentuou ele. O trabalho faz parte de um estudo multicêntrico envolvendo seis estados brasileiros, com coordenação geral sediada no Rio de Janeiro. No Norte, o Amazonas é o único a participar das ações. 

Otimista, a pesquisadora Adriana Malheiros anunciou a recente criação, pelo Governo Federal, da Rede Nacional de Terapia Celular, com a disponibilização de R$ 21 milhões para pesquisas dirigidas à modalidade.  Durante a audiência, a diretora técnico-científica da Fapeam, Elisabete Brocki, lembrou que o investimento prioritário da Fapeam tem sido nas instituições públicas. "Alcançamos uma parceria estratégica para o apoio à pesquisa junto ao MS e isso permitiu um investimento o de células-tronco adultas", exemplificou a diretora, destacando, ainda, a formação de mestres e doutores na área de saúde, uma iniciativa sem a qual as pesquisas de alta complexidade não podem ser desenvolvidas.  

A discussão ética 

O representante da CNBB, padre Antônio de Assis Ribeiro, situou quatro ideologias que, segundo ele, podem causar uma espécie de “miopia” na forma de tratar a questão do implante de células-tronco adultas e, principalmente, embrionárias, em seres humanos: 1) o utilitarismo presente na sociedade moderna, 2) o cientificismo, 3) o relativismo ético, e 4) a democracia.   Padre Antônio disse que é preciso refletir a respeito de atitudes precipitadas em torno das quais a vida acaba valendo pelo que serve e não pelo que é. "A  idéia de que a ciência pode resolver todos os problemas da sociedade, bem como a tentativa de negar a verdade universal – Deus, ou ainda a noção de que é sempre a maioria das pessoas que detém as verdades e está com a razão, precisam ser questionadas", asseverou. 

O representante da CNBB reforçou a posição da Igreja Católica de que fé e ciência devem andar juntas, pois se tratam, segundo ele, de "duas formas de conhecimento não excludentes". Numa tentativa de aclarar os debates, Malheiros, do Hemoam, conceituou células-tronco como aquelas que têm a capacidade de se dividir e gerar células-filha idênticas à célula-mãe.  Ao serem implantadas no organismo doente, "as células-tronco podem formar células sangüíneas ou células específicas regenerativas de tecidos coronários", exemplificou. 

Malheiros lembrou que é a fusão entre óvulo e o espermatozóide que forma a primeira célula-tronco no homem. "Os pesquisadores precisam selecionar células ao sétimo, oitavo dia", lembrando que o grande problema é que a retirada de uma camada da célula-mãe embrionária causa uma lesão na membrana e o embrião acaba morrendo. 

A ciência comprovou, segundo a pesquisadora, que uma célula-tronco embrionária, quando implantada em órgãos doentes, tem alta capacidade de se dividir e formar novas células específicas sãs. "Já as células sangüíneas (aquelas retiradas da medula óssea do indivíduo adulto), não possuem essa capacidade de reestruturar tecidos; no máximo elas causam uma melhora nos pacientes", explica.  É por esse fato, diz ela, que as pesquisas com células embrionárias adquirem tanta importância. "Doenças degenerativas poderiam regredir com o implante de células embrionárias", asseverando que isto já está cientificamente comprovado. 

Mesmo assim, Malheiros admite que a ciência ainda não possui garantias para um grande risco: – "nós não podemos assegurar, por hora, que se implantarmos uma célula embrionária num cérebro doente, por exemplo, ela vai gerar, ali, apenas neurônios e não vai gerar, porventura, um carcinoma [tumor maligno epitelial ou glandular]…". 

A grande preocupação ética, na atualidade, em relação ao uso de células embrionárias, situa-se no fato de que há milhões de embriões congelados em clínicas de reprodução artificial, no Brasil. "O que faremos com eles daqui a alguns anos?", pergunta a pesquisadora. "Será que eles serão simplesmente descartados no lugar de serem implantados, por exemplo, no corpo de uma criança que precisa de um implante embrionário?". 

A Lei de Biossegurança, de 2005, não prevê o que fazer com embriões congelados, nas clínicas de reprodução, e que não serão mais implantados em nenhuma mulher.

Elizabeth Cavalcante – Agência Fapeam
Foto: Andréia Mayumi

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