A mídia não sabe o que quer, artigo de Odenildo Sena


Penso que a mídia tem duas competências sociais que não se excluem, pelo contrário, completam-se e se alimentam. De um lado, coloca a disposição da sociedade os acontecimentos consubstanciados sob a forma de notícia, pressupostamente na sua condição de fatos. Neste caso, atua apenas como veículo daquilo que julga necessário ser de interesse da coletividade. De outro, trabalha esses fatos e deles retira elementos necessários ao exercício da crítica, pressupostamente na condição de defesa dos interesses da mesma coletividade. Tempo houve em que essas competências eram perfeitamente distinguidas. Os editores faziam questão de que o leitor – e aqui falo particularmente da mídia impressa – soubesse com precisão se estava lendo um texto relativo a fatos acontecidos, indicativo da opinião do próprio veículo ou mesmo de seus articulistas. É bom ressaltar que as diferenças aqui estabelecidas não navegam na ingenuidade de acreditar na existência de textos marcados ou não pela neutralidade, mas de textos que, na sua linearidade, dão privilégio aos acontecimentos ou ao que se pensa deles. Do meu observatório de atento leitor, o que consigo enxergar, entretanto, nesse “modernoso” jornalismo de hoje, é uma geleia geral onde tudo fica num bolo só, com predominância para um tal de “jornalismo crítico”. Ancorado em tal mecanismo de fabricação do texto, o jornalista, ao mesmo tempo em que simula ser o mediador dos acontecimentos, dele se aproveita para camuflar o seu envolvimento sutil ou ostensivo. E aí, vejo duas consequências graves: de um lado, o estímulo à prepotência e à arrogância do profissional, que incorpora o poder de ser dono da verdade e o direito de dizer o que bem entende, construindo textos com informações unilaterais, sempre em nome da sociedade, embora dela não tenha procuração para tal; de outro lado, a tendência a cair no perigo do que se pode chamar de circularidade, quando deixa de perceber que a crítica não tem um fim em si, deve, isso sim, ser um legítimo instrumento de defesa de determinados princípios que tem por base a argumentação e o convencimento. Quando a crítica passa a ter um fim em si, cai na banalização e no descrédito e se torna arma de cunho intransigente e pessoal. Neste caso, estou aqui me lembrando do período em que a mídia apelidou o avião presidencial de “sucatão”. As críticas eram pertinentes, porque apoiadas em fatos concretos: a aeronave, no limite de sua vida útil, já não tinha autorização para pousar em aeroportos de outros países, além de colocar em risco a vida do presidente da República, mandatário maior da nação. Quando, já no governo Lula, foi adquirida uma aeronave moderna e segura, a mídia passou a criticar o desnecessário gasto com a compra. Bom, mas aí já é outra história. Fosse no governo de Fernando Henrique, a mídia teria dado o assunto por encerrado.

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